11 de Maio de 2013
O tema foi objeto da tese de doutorado de Afranio Soriano, no Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP (Soriano, 2006), que discutiu com profundidade e propriedade o problema de o termo “estrada-parque” ser usado com variados significados no Brasil, conforme os interesses de quem o usa. Assim, este pesquisador propõe uma definição unívoca para o termo “estrada-parque” e algumas denominações para as outras situações nas quais o mesmo termo vem sendo usado até o momento, gerando confusão. Por esta proposta, uma estrada-parque:
“Se constitui numa unidade de conservação de grande beleza cênica, cujo formato e dimensões são definidos pela percepção das paisagens naturais e culturais a serem protegidas, a partir de uma rota principal, a estrada, e que se destina à recreação e ao lazer ao longo desta, e também como forma de promover a integração homem-natureza e o desenvolvimento sustentável da região de sua influência.”
OrigemO termo “Estrada-Parque” deriva da categoria existente nos Estados Unidos, as “Parkways”, portanto, uma categoria de área protegida sob a gestão do Serviço Nacional de Parques deles, o “National Park Service” (NPS). Mesmo nos EUA, a categoria engloba algumas situações bastante distintas, havendo duas Parkways que podem ser consideradas os “exemplos clássicos” da categoria: a Blue Ridge Parkway e a Natchez Trace Parkway. Portanto, longe de ser uma categoria que se consagrou pelo sucesso de várias iniciativas, como os Parques Nacionais.
O melhor exemplo da ideia original de “Parkway” encontra-se na primeira que foi concebida e criada nos EUA, a Blue Ridge Parkway (BRP). Sua área é de cerca de 38 hectares, o que, considerando que sua extensão é de cerca de 750 km, significa que ela protege uma faixa de aproximadamente 250m para cada lado da pista. A extensão é grande, visível mesmo em um mapa de todo o país, mas a área protegida é pequena. Apesar da longa tradição norte-americana na gestão de áreas protegidas, um dos problemas das Parkways é que seu grande atrativo são as paisagens que estão, em sua maior parte, fora desta faixa protegida, embora visíveis dela. Assim, as fazendas da região podem criar um problema para o National Park Service se decidirem, por exemplo, modernizar suas práticas, o que pode ter impactos sobre a bucólica paisagem tradicional que motivou, juntamente com a beleza da natureza local, a criação da Parkway
Sem improvisação
A característica mais importante que deve ser ressaltada no histórico da Blue Ridge Parkway é que ela já foi concebida – na década de 1930, como parte de políticas para elevar a autoestima do povo, abalada pela crise econômica da época – e construída já com os propósitos que tem até hoje (a obra foi finalizada quase 50 anos depois). Não se trata de uma adaptação de uma rodovia construída para ligar duas cidades, ou para escoar a produção de uma região. Ela foi concebida para proporcionar o desfrute de belas paisagens pelos viajantes; seu traçado visou maximizar as possibilidades de visadas panorâmicas, percorrendo cristas dos Apalaches. Não é permitido o trânsito de veículos comerciais, a velocidade máxima é reduzida, a pista é estreita, sem acostamento e o acabamento da obra foi claramente executado com preocupações estéticas.
No Brasil, a maioria das iniciativas de criação de estradas-parque pouco tiveram a ver com este conceito. Existem algumas tentativas de se investir na ideia de Estrada-Parque, mas elas não são calcadas em um conceito bem estabelecido e acabam sendo apenas estradas comuns, que ligam duas ou mais cidades, passando por locais bonitos, eventualmente protegidos por algum outro instrumento legal, como uma APA. Há alguns exemplos no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Podem ser iniciativas nobres, na tentativa de proteção de remanescentes de vegetação nativa e de belas paisagens, mas o título tem pouco efeito prático para a proteção ambiental da região e não há restrições ao trânsito de qualquer tipo de veículo.
Em 2008 foi publicada a Portaria Interministerial No 282, de 16/09/2008, através da qual os ministérios do Meio Ambiente e do Turismo tentaram instituir regras para tornar mais claros os requisitos para o estabelecimento de uma “estrada-parque”. As regras que esta Portaria traz, entretanto, são vagas e gerais, além de a Portaria ser um instrumento jurídico sem força suficiente para alterar a realidade de informalidade em torno do uso do termo “estrada-parque”.
Distorções
"Os nossos “tão admirados representantes” no Congresso Nacional se esmeram em superar sempre a legislatura anterior, até então a pior de todos os tempos (...) São capazes de querer resolver o problema energético através de uma lei que estabeleça que “Art 1º: focinho de porco é tomada" |
No interior de um Parque Nacional, categoria de unidade de conservação de proteção integral, conforme a Lei do SNUC (9.985/2000), a existência de estradas é possível, mas apenas para atender às necessidades da Unidade de Conservação, seja de proteção, permitindo o acesso adequado das equipes de fiscalização, combate e prevenção de incêndios etc., seja para viabilizar o acesso a atrativos abertos à visitação pública, sempre em conformidade com o zoneamento definido no plano de manejo. Uma rodovia atravessando um Parque Nacional só é uma situação aceitável quando a existência da rodovia já está consolidada no momento da criação do Parque, o que não é o caso do Caminho do Colono.
Colono não é estrada-parque
A proposta da “Estrada-Parque Caminho do Colono”, não se encaixa de nenhuma forma no conceito das “Parkways” norte-americanas, pois trata-se de um trecho muito curto e sem especial apelo paisagístico. O Caminho do Colono foi concebido apenas como ligação entre dois municípios, como uma estrada qualquer construída por desbravadores que tinham a mata nativa como um obstáculo às suas atividades ou ao escoamento de sua produção. O histórico das aberturas e fechamentos da rodovia a localiza na categoria de problema em busca de solução, a qual certamente não estará no estabelecimento de uma Estrada-Parque, para o que ela não tem nenhuma vocação.
Um exame da situação dos remanescentes de vegetação nativa do oeste do Estado do Paraná não deixa dúvidas de que não há margem de manobra para concessões. A existência de um último e único remanescente significativo de Mata Atlântica é uma situação que não permite que se cogite em fragmentá-lo.
Os nossos “tão admirados representantes” no Congresso Nacional se esmeram em superar sempre a legislatura anterior, até então a pior de todos os tempos. Parecem não se conter em seus impulsos de fazer uso de suas canetas para transformar uma coisa em outra, por meio da aprovação de leis. São capazes de querer resolver o problema energético através de uma lei que estabeleça que “Art 1º: focinho de porco é tomada. Art. 2º: revoguem-se as disposições em contrário”. Queiram vossas excelências ou não, mudem ou não a Lei, o Caminho do Colono não é uma estrada-parque.
*João Madeira é bíólogo e doutor em Ecologia e trabalha como analista ambiental do ICMBio.
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