segunda-feira, 16 de julho de 2012

A contribuição dos bichos para a ciência: leia com desconfiança !



Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Marcelo Andrade / Gazeta do Povo / Problema de visão em cães é investigado no Hospital Veterinário da UFPRProblema de visão em cães é investigado no Hospital Veterinário da UFPR
LABORATÓRIO

A contribuição dos bichos para a ciência

Pesquisas de diversas áreas ainda dependem de animais para testar tratamentos antes que sejam avaliados em pessoas. Método gera polêmica
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16/07/2012 | 01:36 | ADRIANA CZELUSNIAK
Regras
O uso de animais em pesquisas deve seguir procedimentos definidos pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). Além disso, a Comissão de Ética da universidade deve aprovar o projeto do trabalho para que ele seja conduzido. Confira três critérios básicos:
>>> É preciso usar o mínimo necessário de animais. Há cerca de 20 anos, não havia controle sobre o número de animais retirados para pesquisa. Assim, os não usados eram sacrificados, pois poderiam contaminar outros bichos. Hoje, só são liberados os animais que de fato serão usados.
>>> O bem-estar do animal precisa estar garantido em todas as etapas da pesquisa. A metodologia deve prever que o animal não sofra, com procedimentos que evitem a dor ou o estresse do mesmo.
>>> Deve-se avaliar se não há alternativas ao uso dos animais. É preciso justificar se o cultivo, o uso de um modelo computacional ou alguma ferramenta artificial não supririam a demanda. Essas opções devem estar em primeiro plano em uma pesquisa.
Fonte: Especialistas entrevistados.
Doença canina é investigada em prol do homem
Há pouco mais de três anos, quando a cachorrinha Shaira foi doada ao Hospital Veterinário da UFPR, o antigo dono não imaginava que ela contribuiria com a ciência. A pit bull apresentava dificuldades de visão e foi cuidada por professores e universitários. Com a autorização do Comitê de Ética do Setor de Ciências Agrárias, Shaira cruzou e os filhotes também nasceram com o problema.
Com o empenho de cientistas locais e estrangeiros, o caso da família de pit bulls foi estudado e descobriram que todos os animais sofriam de uma doença chamada displasia de retina. “Avaliamos as lesões do fundo do olho e descobrimos como a doença era herdada. O passo seguinte foi estudar o genoma desses animais”, conta Fabiano Montiani-Ferreira, professor de Medicina Veterinária e do Laboratório de Oftalmologia Comparada (Laboc) da UFPR.
No homem
A doença de Shaira também pode ocorrer no homem, levando ao aparecimento de dobras ou descolamentos de retina e até mesmo à cegueira. Caso as pesquisas com a família de cães tenham sucesso, Montiani-Ferreira e outros cientistas acreditam que poderão prevenir a doença nos seres humanos. “Na minha opinião, essa é a melhor forma de se realizar pesquisa comparativa com animais de forma não invasiva, buscando o benefício da saúde humana”, afirma.
Se a expectativa de vida do ser humano teve um grande salto no último século, boa parte dessa vitória se deve aos animais. Eles estão na linha de frente em diversos estudos científicos, testando medicamentos e tratamentos antes que sejam avaliados em pessoas. O uso de bichos em pesquisas sempre levantou polêmicas e, em maio, o debate voltou à tona depois que alguns jornais gaúchos noticiaram supostos maus-tratos que cães estariam sofrendo por causa de uma pesquisa de doutorado na Universidade Federal de Santa Maria.
Pelo projeto, aprovado no Comitê de Ética da universidade, cães teriam parte de sua mandíbula retirada para testar uma placa de titânio. A intenção era avaliar a utilidade do material em casos de câncer de boca, quando animais precisam passar por cirurgia de remoção de parte ou de toda a mandíbula. O doutorando responsável pela pesquisa manifestou a legitimidade do estudo e assegurou que a dor dos animais após a operação foi devidamente controlada com medicamentos.
Há quem questione a necessidade de expor animais saudáveis a uma experiência como essa. Segundo Alexander Biondo, doutor em Medicina Veterinária e professor daUniversidade Federal do Paraná (UFPR), poderia ter sido feito um estudo em todas as clínicas veterinárias do Rio Grande do Sul para que todo cão com câncer de boca ou trauma na mandíbula fosse encaminhado para Santa Maria. “Isso teria um preço bem mais caro, mas a sociedade quer pagar esse preço. A legislação prevê punição no caso da utilização de um animal para a Medicina ou pesquisa se houver meios alternativos”, afirma.
Redução
A tendência é de que a prática científica em animais se reduza ao mínimo necessário. De acordo com o biólogo Valdemiro Gremski, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), várias alternativas já estão tirando muitos animais dos laboratórios. No teste de cosméticos, por exemplo, é usada uma pele artificial. Para outros procedimentos, um modelo computacional do animal é criado. Por fim, ainda existe a alternativa do experimentoin vitro, quando células de animais são retiradas e cultivadas em laboratório.
No entanto, mesmo com esse avanço, ainda não é possível substituir a presença de animais em todos os casos. “Se estamos testando uma substância, temos de avaliá-la de forma sistêmica – no rim, no intestino, no estômago, no cérebro. Para testes de vacina não há alternativas, ou para o câncer, Alzheimer ou estudo de um gene”, afirma Gremski. Fabiano Montiani Ferreira, professor de Medicina Veterinária da UFPR, concorda que ainda é muito cedo para pensar em dispensar os animais completamente. “Ainda há muito para ser aprendido com a pesquisa animal, particularmente se tratando de órgãos e tecidos complexos, como o sistema nervoso central ou a retina”, diz.
Contato com animais deve ser controlado
Os 6 mil animais que moram no Biotério Central da PUCPR têm casa, comida e qualidade de vida asseguradas. São três linhagens de camundongos, ratos e coelhos que recebem os cuidados de sete pessoas diariamente. Para entrar no local, só com autorização do responsável técnico Rafael Zotz e depois de ter tomado várias medidas. “Não pode entrar usando perfume ou desodorante que tenha perfume. Maquiagem também deve ser evitada e a pessoa não pode ter tido contato com nenhum tipo de animal naquele dia”, conta o zootecnista.
O cuidado é justificável, uma vez que os animais do Biotério não podem ser contaminados. Ar condicionado, camas trocadas todos os dias e alimentação de qualidade também fazem parte da “hospedagem” . Segundo o pró-reitor Valdemiro Gremski, tudo isso é necessário para que os pesquisadores tenham animais saudáveis em suas pesquisas. “Se forem usados animais doentes, estressados ou com problemas respiratórios, o resultado da pesquisa não será real e o pesquisador pode ser desclassificado”, explica.
Aprovação
Toda pesquisa com animais precisa ser aprovada pela Comissão de Ética de cada universidade antes de ser colocada em prática, assim como ocorre nas pesquisas com voluntários humanos. Segundo o membro da Comissão de Ética no uso de Animais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Waldiceu Aparecido Verri Júnior, cada pesquisador precisa justificar o uso do animal e o benefício trazido pelo experimento. Na UEL, além de ratos e camundongos em laboratório, ovelhas, bois e cavalos são mantidos em uma fazenda-escola e o hospital veterinário atende outras espécies.
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