segunda-feira, 30 de julho de 2012

Lenox, o cão assassinado: um exemplo que não devemos seguir no Brasil


sílvia corrêa

 

30/07/2012 - 03h00

Lennox, o cão assassinado

Periferia de Belfast, Irlanda do Norte, 19 de maio de 2010. Numa manhã cinzenta, guardas a serviço da corte da cidade bateram à porta da família Barnes com uma ordem expressa: levar o cão Lennox para o corredor da morte.
Castrado, vacinado e chipado, Lennox vivia em uma casa cercada, nunca havia escapado nem machucado ninguém. Tinha cinco anos e passava os dias ao lado da dona --uma menina de 11 anos, com a qual costumava dormir à tarde. Foi "preso" após uma denúncia anônima, segundo a qual um cão capaz de "arrancar cabeças" morava na casa. O crime de Lennox? Ter cara de pit bull em plena Irlanda do Norte.
Foram dois anos de intensa campanha para evitar a morte de Lennox. Nela, engajaram-se do "encantador de cães" Cesar Milan ao primeiro-ministro britânico. A família fez sucessivas apelações à Justiça, e um site reuniu mais de 200 mil assinaturas. Até lares provisórios foram oferecidos ao bicho em outros países. Não adiantou. Há cerca de 15 dias, Lennox foi eutanasiado.
A Irlanda do Norte é um dos países onde vigoram as chamadas BSL (Breed Specific Legislation) --leis que proíbem a existência de cães com características físicas de determinadas raças e que definem o destino do animal a partir de sua aparência, sem considerar seu comportamento.
Pelo menos dez países têm leis desse tipo. Foram aprovadas após ataques de cães e conseguiram adeptos com o argumento de que reduziriam os casos de agressão.
Nos últimos anos, no entanto, as estatísticas têm colocado em xeque a política de restrição. Estudos feitos nos EUA sustentam que donos de raças proibidas evitam passeios com os animais, consultas e vacinação, fazendo de seus quintais fontes de risco à saúde pública. Além disso --e talvez ainda mais importante: o veto a raças não reduziu o número de pessoas atacadas por cães.
Com base nesses dados, o Centro de Controle de Doenças dos EUA retirou o apoio às restrições e passou a propor a criação de formas eficientes de combate aos cães perigosos, levando em conta o que individualmente fizeram e não o que coletivamente são. O cerco se fecharia em torno dos donos de animais agressivos, independente de raça ou porte.
O Brasil, no entanto, caminha na contramão dessa tendência. O projeto de lei que prevê a proibição da reprodução pit bulls e rottweilers continua na pauta da CCJ da Câmara. Em junho, a votação foi adiada pela Rio+20, mas deve ser retomada em agosto. O texto, de 1999, perpetua a ideia de banimento de raças --em alta naquela época--, mas ignora os dados da última década.
Levantamento da ASPCA (uma das maiores entidades de proteção animal do mundo) indica, por exemplo, que mais de 70% dos ataques de cães envolvem machos não castrados, criados para guarda e que viviam acorrentados --o que relaciona agressividade muito mais à falta de socialização, ao status reprodutivo e a erros na criação do animal.
Fica cada vez mais evidente que essa não é uma questão racial. É, definitivamente, uma questão de adestramento... de donos.
Sílvia Corrêa
Sílvia Corrêa cursou jornalismo e veterinária. Trabalhou por 13 anos naFolha e, depois, nas principais emissoras de televisão do país. Escreve sobre bichos às segundas, na versão impressa de "Cotidiano", a cada duas semanas

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