terça-feira, 16 de outubro de 2012

Um caminho sem volta: Curitiba e a ciclomobilidade

OPINIÃO 2

Um caminho sem volta

Publicado em 06/10/2012 | JORGE BRAND E RODOLFO BRANDÃO DE PROENÇA JARUGA
Dos ciclistas de Curitiba, 85% são trabalhadores, 3,5% são estudantes, e o resto é diletante ou desportista. Os dados são do Ippuc e constam de uma pesquisa origem/destino que desde 2008 só faz alimentar as traças da biblioteca do instituto. É notável que a pesquisa promovida com dinheiro do contribuinte não tenha servido para orientar qualquer política de mobilidade urbana.
Mas, a despeito da incapacidade inovadora e gerencial do nosso Ippuc (que já pariu três prefeitos), a pesquisa está aí para quem quiser aproveitá-la. Realizada em 80 pontos da cidade, ela nos revela que quatro em cada cinco ciclistas ganham menos de três salários mínimos. São pedreiros, operários, serventes e vigilantes que escolhem a bicicleta por ser mais econômica (40%), rápida (33%) e saudável (9,5%). Foram esses trabalhadores que alimentaram outras estatísticas (fúnebres) da cidade: 80 ciclistas mortos em três anos.
Trata-se daquela classe trabalhadora com baixa escolaridade e salários no limite do necessário para a subsistência. Aquela que comprou carro usado financiado em 60 vezes e agora está devolvendo a lata velha para o banco. Aquela mesma que não quer sacolejar em ligeirões na hora do rush, mas não tem opção. É a ela que se deveriam destinar, de forma precípua, os recursos públicos para transporte.
As bordas da cidade estão repletas de bicicletas, mas a tecnocracia não enxerga. Além da cegueira do Ippuc, é sintomático que a Comec, responsável pelo planejamento e gerenciamento dos serviços de transporte metropolitano, tampouco contemple com seriedade este modal. Ippuc, Comec e Urbs estão aí para perpetuar o decrépito modelo de transporte da região. O automóvel individual e seus binários, pontes, viadutos e estacionamentos gigantescos. Seus engarrafamentos. Uma mentalidade dos anos 70, que cheira a mofo de farda verde.
Mas no reino da Dinamarca as coisas vão bem melhor. Em Copenhague, por exemplo, 51% das pessoas vão ao trabalho de bicicleta. E eles querem chegar a 75% em 15 anos. Arquitetos, comerciantes, estudantes, jornalistas andam de bicicleta. Há quatro décadas a ciclomobilidade se expande, promovendo uma mudança gradual, mas consistente. Em consequência, a cidade humanizou-se, as praças estão repletas de pessoas. Em palestra recente, ouvimos da boca de uma gestora da cidade que o objetivo deles é mesmo dificultar o acesso de automóveis à cidade.
E aqui? Em Curitiba, certos políticos e formadores de opinião ainda veem a ciclomobilidade como uma reivindicação da classe média – como se a classe média não pudesse exercer a cidadania! Ora, a bicicleta é símbolo de uma nova luta e de uma nova forma de fazer política. Capitaneada por jovens ciclistas, advoga por uma cidade mais humana para todas as classes sociais. Pleiteia, sem rodeios, a renovação dos nossos institutos de planejamento urbano e de coordenação de políticas de trânsito – eles envelheceram. E luta, modesta e silenciosamente, contra o cartel das montadoras, petrolíferas e empreiteiras, que sustentam o culto ao automóvel e condicionam o combalido urbanismo brasileiro.
Mas nem tudo vai mal. Vimos que nestas eleições municipais a bicicleta entrou na agenda dos candidatos a prefeito mais expressivos da capital, inclusive daqueles que jamais haviam falado sobre isso. Falta conhecimento de causa, mas o gesto é válido. Este é um caminho sem volta. O prefeito vai ter de pedalar!
Jorge Brand é coordenador-geral da CicloIguaçu; Rodolfo Brandão de Proença Jaruga é coordenador jurídico da CicloIguaçu.
Fonte: www.gazetadopovo.com.br, em 06.10.2012

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